Empatia
O
nome dele é R.C. Posso falar sobre o ocorrido aqui, porque duvido que você o
conheça, embora haja a teoria de que todo mundo está ligado por seis míseros
graus de separação[i].
Eu
não sei de onde ele veio, mas em uma hora/dia qualquer começou a curtir as
minhas fotos e observar tudo o que eu postava no meu Instagram. Fui ver quem era
o cara bonitinho que me cercava e gostei do visual, então, após um dia de
bebedeira com os vizinhos do meu prédio, tomei coragem e iniciei uma conversa.
Ele
era dos EUA – não vou colocar de onde, exatamente, aqui. Trabalhava num
laboratório, tocava guitarra em uma banda e gostava das mesmas coisas que eu: literatura,
arte e música (das mesmas bandas, inclusive).
A
conversa foi fluindo, e conversamos diversas vezes. Eu não levava o que ele
dizia tão a sério, imaginava a possibilidade de ser um CATFISH[ii].
Entretanto não estava preocupada com suas intenções – só queria melhorar o meu
inglês, encarei as conversas com o gringo como uma forma de fazê-lo.
Semanas
foram passando e as mensagens chegavam cada vez mais empolgadas. Dizia que
estava apaixonado por mim, que eu era maravilhosa e me fazia um monte de
promessas, que eu deixava claro não acreditar.
Como
boa professora, ensinava a ele coisas sobre o Brasil, e como boa curiosa,
perguntava coisas sobre o seu país. Ao mesmo tempo, tentava buscar de onde o CATFISH roubava as imagens que dizia
serem dele.
Uma
bela noite, já cansada do papo mole: “I
love U so much; I need you in my life; You are my queen; I want you forever in
my life; I want to cover you with kisses; I need a hug of yours!”, decidi que descobriria qual era a dele,
e enfim, o convidei para uma vídeo chamada.
Nem
preciso falar que, mesmo topando na hora, ele não apareceu. Ficou a noite toda
inventando mil desculpas para não entrar. E é óbvio que depois de quatro horas de
espera eu desisti e fui dormir.
Só que a Dona Vida é uma coisa esplêndida e muito
estranha. E a teoria dos seis graus de separação...Sei lá! Durante a madrugada
tive um sonho esquisito – daqueles muitos que tenho às vezes. Nele, uma moça
falava comigo pelo direct do Instagram. E só. O sonho se resumiu todo a isso.
Acordei, eram duas horas da madrugada. Sensação esquisita, não consigo
descrever. Voltando da cozinha, peguei o celular e entrei no Insta por impulso
(quem é que entra no Insta no meio da madrugada, assim, do nada?), e uma moça
havia mandado solicitação para me seguir. Eu aceitei e segui de volta. Por curiosidade
fui ver quem era, e para a minha surpresa, ela era seguidora do R.C. Pensei: “Ela
é o CATFISH?!”. E quem me dera se
fosse. Minha consciência estaria bem leve agora.
Ao abrir as imagens postadas no perfil da J.
(siiiim o nome também começa com J), me deparei com fotos dela e de um bebê.
Uma garotinha linda, com mais ou menos os seus 4 meses de vida. Adoro bebês,
continuei ali, observando a fofura daquela coisa mais gordinha, quando de
repente uma simples foto em comemoração ao dia dos pais em 20/06/21 me
espancou.
Era uma foto bem fofa, da garotinha vestindo um
body colorido com os dizeres:” My first
father's day with daddy”. Seria uma foto linda e inocente, se o daddy que
segurava a menininha, não fosse o R.C. Continuei atenta às postagens e aí me
deparei com um soco no estômago – uma bela foto de um casamento (ocorrido em
2019), outra, com a certidão de casamento de R.C. e J. Entre tantas outras
imagens de família perfeita, comercial de margarina que a moça postava com
legendas apaixonadas.
O mais assustador nisso tudo, é que ele realmente
era quem dizia ser, morava onde revelou morar, o emprego, a banda. Era tudo
verdade. Ele “só” não havia me contado que era um cara comprometido, e que a
esposa dera à luz no início do ano. Meu estômago embrulhou. Não por mim, mas
pela J.
Quatro malditas
horas antes da minha descoberta, aquele homem, o marido dela, dizia que estava
apaixonado por mim, que queria construir uma vida comigo, e mesmo que eu não acreditasse
em uma palavra do desgraçado, estava estraçalhada por dentro, não por mim, mas
por ela.
Fiquei indignada
com o quanto aquela moça linda amava aquele cara, e enaltecia em suas fotos, e
ele sequer a citava em suas postagens. Não havia uma foto dela nem da filha dos
dois, ele agia como se as duas nunca tivessem existido na vida dele.
Como alguém pode
chegar a esse nível? Como pode magoar outra pessoa assim? Eu não consegui ficar
quieta e fui falar com a J., na minha cabeça, ela deveria ter visto as conversas
e de alguma forma me culpava por toda a situação. E o que estava péssimo,
piorou. Ela não tinha a menor noção do acontecia em sua vida. Seguíamos muitas páginas em comum, ela só me
seguiu por seguir. Eu não comentava nas fotos dele, ela não sabia da minha existência.
J. me pediu
provas e eu entreguei todas. Expus a ela o quanto me sentia envergonhada pela
situação, e ela pôde ver que antes de procurá-la, enviei uma mensagem com a foto
do casamento dos dois – e que nela, eu xingava R.C. por estar fazendo aquilo
tudo com sua família.
A moça me
respondeu num tom triste que percebera um comportamento diferente no marido,
mas não imaginava que o motivo envolvia alguém que morava há quilômetros de
distância. Eu me senti a pior pessoa do mundo. Só pude dizer à J. que ela era
linda, e tinha uma filha igualmente linda, e ambas não mereciam ser tratadas da
forma como foram. Que eu desejava tudo de melhor para a vida delas, do fundo do
meu coração – e realmente desejo.
Não consigo
entender como R.C. teve coragem de fazer o que fez. Eu entendo que as pessoas
possam deixar de gostar de alguém, ou a paixão tornar-se um grande sentimento fraterno.
A chama pode apagar, eu entendo, aconteceu comigo. Porém, acho que quando isso
acontece, a melhor coisa a se fazer é cada um ir para o seu canto. Foi
exatamente isso que fiz. Preservei a amizade, e vou guardar os 16 anos maravilhosos
que passei ao lado do meu ex na memória, sem me envergonhar, sem remorso, sem
rancor.
Pessoas que traem
são incapazes de nutrir empatia pelo próprio parceiro. Não se colocam no lugar da
pessoa com quem conviveram por anos. Isso é absurdo, cruel.
Eu não sei se ela
o perdoou. Eu não perdoaria. Dessa experiência, saí com um pouco menos de fé
nas pessoas.
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Chora, bebê!